ESTRANGEIRO Azul de noite outonal que exala dos poros de face ainda virgem. Lusco-fusco entusiasmado em doce zumbido canta. Mãos despidas. Um homem vermelho joga dados na frente de criança encaracolada, e lhe derrama os números do bolso. Mistério transborda por sobre palavras mornas. Caverna; gritos abafados. Ressoam notas de canto solene. Fugi até o jardim cinzento. Rasguei cada planta morta. Com dedos afiados, o demônio azul aponta, uma a uma, as cicatrizes deixadas pelo vento gélido. Deus tudo vê. A menina beberica o sangue que escorre de sua própria boca, agonizando em frio momento. Nada resta a não ser o demônio azul em desolado jardim. De voz argêntea, um estrangeiro com chapéu de côco rouba para si um frágil esqueleto. Negros doces cabelos exclamam a dor de felicidade aguda. Maldição de destino. Cada coisa dissolve. Coração vazio recolhe e detém entretempos de não-vidas, sem sequer vislumbrar frestas. É chegada a hora de despertar.
No seio de negra noite, a criança escuta suspiros em chamas. O demônio azul então estende a face até quase não suportar. Seu sorriso torna-se frio e amarelo, decepando cada dedo da criança que dorme entorpecida pelo líquido enegrecido. Uma porta bate violentamente, invisível aos olhos do coxo. Pernas róseas saltam por sobre poças em passos encompassados. Flores amarelas cantam no céu de minha boca. Um tiro. Jovens tomados pela cólera correm pelos jardins abandonados da velha cidade. Pesado suor derrete a face marcada do ferreiro. Tempo que se demora na alma. Levitando por sobre um tronco podre, um anjo branco cantarola canções de ninar indizíveis. Seu pescoço exibe veias saltadas e pegajosos vermes.
Quieto destino. Dourado ardor, embora sutil, toma minha alma de relance. Uma cigarra pousa no ombro do estrangeiro. Embebida do silêncio da dor do amor, a garota de pernas róseas agora deita no tapete de grama. Céu vermelho. Formigas, lesmas e por fim vermes passeiam pelo que restou de carne sem dono. Beijos fugidios são trocados nas sombras de um beco. Grandes negras mãos agarram o pescoço apodrecido do anjo. Ao louco jogado às traças nada mais restava a não ser pintar espelhos. Memórias de dias purpúreos vieram à tona; espectros de quando o infinito parecia quente. Estranha melancolia esparrama-se e recolhe o filho noturno pelo nome. Arrebatado por negra maldição, um deus falido cessa de existir. Oh, maldito espetáculo! Terra em transe. Severo lusco-fusco penetra agora em cada um de meus poros. Pouco falta para a noite que é nova.